Um pedido aos novos ídolos

Diogo Magri
4 min readJun 16, 2023

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Bia e Vini, por favor, sejam referências legais :D

Eu nunca fui muito fã daquela pergunta, comum no futebol, se fulano ou cicrano pode ser considerado um ídolo da torcida X. “Mas como aquele cara é ídolo se nunca foi campeão?”, costuma ser o principal argumento de quem julga a adoração alheia. Embora alguns casos sejam incontestáveis, acho que a idolatria é um conceito mais pessoal do que coletivo, com critérios mais subjetivos e particulares do que o número de gols ou títulos.

Especialmente para quem gosta de tênis, a semana passada trouxe alguns bons candidatos a ídolos. Os dias decisivos de Roland Garros, o único dos quatro grand slams (os maiores torneios do circuito) disputados no saibro, em Paris, tiveram a brasileira Beatriz Haddad Maia chegando à semifinal, algo que não acontecia desde 2001, com o Guga (contando apenas mulheres, foi a primeira vez em CINQUENTA E CINCO anos).

Bia perdeu na semi para a polonesa Iga Swiatek, a melhor tenista do mundo, que venceu também a final e, aos 22 anos (sim, ela nasceu no século 21), já ganhou seu terceiro Roland Garros (o mesmo número do Guga). Um dia depois, a aguardada semifinal masculina entre Novak Djokovic e Carlos Alcaraz, os dois favoritos ao título, teve o segundo se machucando no meio do caminho, mas honrosamente lutando em quadra até a derrota se concretizar. Depois, teve também o corajoso ato de admitir que sentiu nervosismo durante o jogo e que não estava preparado mentalmente. Djokovic, por sua vez, avançou e derrotou Casper Ruud na decisão, num dos dias mais épicos da história do esporte recente. Ao ser campeão, o sérvio se tornou, entre os homens: 1. O tenista mais velho a vencer um grand slam; 2. O único a vencer pelo menos três vezes os quatro grand slams; 3. O maior vencedor de grand slams de todos os tempos. Rafael Nadal, atleta cujos recordes foram superados pelo Djoko, imediatamente transmitiu seus parabéns e sua admiração pelo sérvio através das redes sociais.

Todos os citados têm motivos para serem idolatrados, da representatividade da Bia à generosidade do Nadal. Mas nem todos colhem só elogios. O exemplo de Djokovic é o mais conhecido. O sérvio ganhou as manchetes pelo comportamento negacionista durante a pandemia, quando realizou eventos sem restrições de público e se recusou a tomar a vacina contra a covid-19 — perdeu torneios, dinheiro e admiradores por isso. Realmente, ficou difícil admirar. Recentemente, no Roland Garros mesmo, escreveu na lente da câmera após uma vitória (o que é comum em grandes jogos do tênis) a mensagem ultranacionalista “Kosovo é o coração da Sérvia”. O Kosovo é desde 2008 reconhecido como país independente pela ONU, mas não pela Sérvia, o que causa uma série de conflitos violentos entre os territórios até hoje.

Djokovic: muitos defeitos e muitas qualidades

Não quero entrar aqui no mérito do que pesa mais: o colocar vidas em risco pelo negacionismo ou os feitos incríveis e inspiradores somados à filantropia, que já deu ao sérvio prêmios humanitários por bancar projetos educacionais em seu país. É uma discussão longa. Pelé tornou o futebol um braço da cultura brasileira, virou sinônimo de melhor de todos os tempos e só reconheceu uma filha extraconjugal após briga na Justiça. Maradona resgatou a auto-estima da Argentina, fez milhões chorarem com sua morte e foi acusado de pedofilia por manter relações com uma garota de 16 anos enquanto morou em Cuba. Isso para ficar só nos dois maiores personagens da história do futebol.

O que ultrapassa a linha do crime fica a cargo da Justiça julgar. O que não passa vai ser aprovado (ou desaprovado) pela moral de cada um — como escrevi no começo, entendo que a idolatria obedece critérios pessoais e não coletivos. Não sei como reagiria se a maior fonte de inspiração esportiva da minha vida fosse acusada de algo grave ou, sei lá, fizesse campanha ativa para um presidente fascista e genocida. Imagino que a repulsa não seria instantânea porque a relação com um ídolo é mais complexa do que amor ou ódio. E tenho certeza que, diferente da música ou da política, o esporte oferece m u i t a s chances para uma pessoa ser perdoada, ainda mais no topo do alto rendimento.

O que serve de alento para alguém que, como eu, já se pegou torcendo por alguém que não gostaria de ter como um amigo pessoal, é que o Brasil parece ter pela frente uma geração empolgante de ídolos. Bia Haddad, por exemplo, não hesitou em falar da representatividade que ela traz para o tênis feminino e na falta de apoio para a categoria na concorrida entrevista coletiva após bons resultados em Paris. Vinicius Junior, o maior expoente do futebol brasileiro, usa semanalmente seu patamar de craque no maior clube do mundo para expor racistas. Rayssa Leal, negra, nordestina e medalhista olímpica, não saiu nem da adolescência e já inspira meninas a andarem de skate.

É sempre melhor torcer para exemplos que demonstram se importar com valores benéficos para a sociedade, a democracia, os direitos humanos, a igualdade de gênero e a luta das minorias. Afinal, são princípios cujas discordâncias opressoras não deveriam fazer parte do debate em 2023. Mas confesso que ainda não sei se cabe ao fã exigir do ídolo tal posicionamento, quando chegar a essa posição pode ser suficientemente inspirador e admirável apenas pelos feitos esportivos. Espero sinceramente (e com medo de estar abusando da expectativa e do pedido) que, em tempos onde é preciso um esforço para resgatar a identidade do hino e da bandeira verde e amarela, o dilema seja cada vez menor por aqui. Bia, Vini, Rayssa e quem mais vier, conto com vocês.

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Diogo Magri

Jornalista campineiro morando em São Paulo. Normalmente falando, ouvindo e escrevendo sobre esportes.